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October 22, 2019

Futebol
Rendimento Desportivo
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A CIÊNCIA DA CRIAÇÃO DE ESPAÇO

A nova La Masia é muito diferente da antiga. Após a expansão para fora do centro da cidade, que ocorreu há 10 anos, as fazendas tradicionais foram substituídas por um moderno bloco de escritórios. E enquanto Javier Fernandez, cientista de dados do FC Barcelona, me levava para conhecer os corredores do novo centro, eu tive a impressão de que aquele poderia ser o QG de alta tecnologia do Google ou o departamento de uma universidade conhecida mundialmente. Foi fácil esquecer que, no mesmo momento que aquele tour estava ocorrendo, a apenas algumas centenas de metros, Messi e companhia treinavam para a temporada que estava prestes a começar.

Quando terminamos o passeio, fomos direto ao ponto: fazer ciência. Foi por isto que eu vim. Javier e outros membros de sua equipe são os responsáveis por uma rigorosa tentativa científica de compreender o futebol. Seu foco é analisar os dados gerados pelos jogadores da forma mais honesta e criteriosa possível.

Javier vê os dados do futebol mais claramente que a maioria de nós. Alguns meses após minha primeira visita a Barcelona, em agosto de 2018, ele publicou uma pesquisa em colaboração com Luke Bornn, que trabalha com o time de basquete Sacramento Kings, sobre como o Barcelona controla o espaço. A ideia principal por trás de seu trabalho é surpreendentemente simples. O método de Javier consiste em pintar o campo com uma cor que reflita quem conseguirá primeiro o domínio de bola. As áreas pintadas em verde são controladas pelo Barcelona e as áreas pintadas em vermelho são controladas pelo adversário, como mostrado na figura abaixo.

Controle de campo para o Barcelona (círculos vermelhos) e para o adversário (círculos amarelos). As áreas verdes são controladas pelo Barcelona. A posição da bola é indicada por um círculo branco. As setas mostram a velocidade dos jogadores. Os contornos e números em branco indicam os valores de controle de campo. As dimensões dos eixos estão em metros.

Quando o Barcelona está funcionando bem, a equipe “pinta” grande parte do campo de verde, indicando que eles controlam a maior área. Eles usam a posse de bola para abrir espaço para os ataques. Este é um dos princípios básicos de jogo que definem a filosofia do clube. Javier e seus colegas encontraram uma forma de medir como a equipe funciona implementando este princípio.

A ideia é simples, mas é uma visão do futebol completamente diferente daquela apresentada pela maioria de nós). Em vez de um foco limitado na bola, nos passes e nos chutes a gol, ou de uma análise mais ampla e mais abstrata das formações táticas (como 4-3-3 ou 4-2-3-1), o conceito de controle de campo é uma forma concreta de medir a movimentação da equipe sem a bola que poe ser aplicada a quase qualquer situação. Quando ouvimos os especialistas nos estúdio de TV comentarem sobre como os jogadores deveriam ter feito tal jogada ou tal passe, pouquíssimas vezes eles levam em consideração a forma como os jogadores trabalham em equipe para criar espaço para seus companheiros muito antes de a bola chegar a eles. Em vez disso, eles criticam decisões individuais. No Barcelona, desde a base até a equipe principal, o foco é em acertar a estrutura geral. Com uma boa estrutura colaborativa em campo, as decisões corretas serão tomadas intuitivamente.

As raízes da matemática envolvida no controle de campo têm mais de 100 anos de idade. Em meu livro “Soccermatics”, eu analiso uma técnica conhecida como “diagrama de Voronoi”, que divide o campo em zonas, e cada uma dessas zonas representa os pontos mais próximos a um determinado jogador. Ao aplicar este método ao futebol, eu utilizei filmagens do Barcelona na temporada 2010-2011 como meu conjunto de dados. A escolha foi deliberada de minha parte. Aquele time era a perfeição matemática no futebol, e o exemplo utilizado por mim foi um gol do Messi em uma partida contra o Panathinaikos pela Liga dos Campeões. Os diagramas abaixo mostram o posicionamento do time logo antes da tabela entre Messi e Xavi.

A primeira figura é o diagrama de Voronoi mostrando as zonas controladas por cada jogador. Xavi, Iniesta e Messi, em preto, se posicionaram de forma a deixar os defensores do Panathinaikos nas extremidades do diagrama. Conforme mostrado na segunda figura, eles foram capazes de abrir alternativas para a triangulação.

Na matemática, esta ideia é conhecida como “dualidade”. O problema de dividir o campo em seções baseando-se em quem está mais próximo a cada ponto equivalente, para encontrar os triângulos que conectam jogadores em proximidade. A matemática nos ensina que criar espaço automaticamente gera alternativas de passe. O jogo do Barcelona tem como base esta dualidade geométrica. Os triângulos do “Tiki-taka” da equipe de 2010-2011 surgiram da forma como Pep treinava o time para se movimentar e abrir espaço.

Então, agora eu estou aqui questionando Javier sobre os detalhes de seu trabalho. Eu, como matemático, quero saber até onde nós podemos extrapolar a ideia de controle de campo. Javier explicou que um conceito como este só é útil para descrever o ataque de uma equipe quando o consideramos no contexto de como o adversário se defende. “Quando nós analisamos a criação de espaço, primeiro precisamos identificar automaticamente as três linhas defensivas da equipe”, ele disse.

Em termos futebolísticos, elas podem ser explicadas de forma mais clara como as linhas criadas pela formação do adversário como, por exemplo, o 4-4-2. Ao sair do campo de defesa em direção ao campo de ataque, começando pelo goleiro, o Barcelona primeiro deve passar pelos dois atacantes adversários, que pressionam os zagueiros enquanto tentam encontrar uma abertura. Eles devem passar pelos quatro meio-campistas antes de finalmente superarem a última linha de defesa, que consiste nos quatro zagueiros. No exemplo acima, a tabela entre Messi e Xavi permitiu que ele passasse pela segunda dessas linhas (o meio de campo).

Embora o posicionamento das três linhas possa ser razoavelmente óbvio para um observador humano, utilizar um computador para detectá-as automaticamente não é uma tarefa trivial. É aqui que entram as habilidades de Javier, que  é candidato ao PhD em IA. Ele desenvolveu um algoritmo que define como as linhas defensivas dos adversários estão estruturadas e quando uma equipe passa de uma linha para a próxima.

“Quando somos capazes de detectar as linhas de pressão defensiva, podemos analisar diversas outras coisas, como que porção do campo controlamos no momento da tentativa de um passe entre as linhas”. Javier me disse que “podemos até mesmo analisar as alterações no domínio de campo em tempo real e se um passe veio da área em que a equipe controlava melhor entre as linhas”.

Eu perguntei quanto tempo levará até que os técnicos utilizem suas ferramentas no trabalho cotidiano. Ele me mostrou a ferramenta feita em colaboração com seus colegas que identifica automaticamente sequências no jogo: contra-ataques, ataques com base em posse de bola, partes definidas e assim por diante. Isto permite a análise tática para obter rapidamente os recortes mais relevantes e melhor organizar a avaliação.

Mas ainda existem alguns problemas a serem resolvidos antes que os técnicos possam utilizar conceitos matemáticos, como o controle de campo, enquanto analisam a partida. “Quando eu prestava mais atenção em como os técnicos falavam sobre o controle de espaço, eles sempre implicavam um lugar de valor. Então, mesmo se um time estiver ganhando controle de campo pela nossa medição, eles não consideram “criação de espaço” até que este espaço seja de algum valor para a equipe”.

Isto fez com que Javier e seus colegas desenvolvessem sua próxima ferramenta, chamada “Expected Possession Value” (Valor Esperado de Posse – EPV), um conceito emprestado do basquete. Eu analisarei isso mais detalhadamente em um artigo futuro.

Javier me disse que “cada desenvolvimento é parte de uma discussão permanente sobre qual a melhor forma de integrar este tipo de análise nos treinos”.

Existem três temas que permeiam a análise futebolística moderna e constituem a base de como eu e Javier discutimos a pesquisa. Os primeiros temas consistem em matemática e geometria. Minha pesquisa anterior analisou como os animais se movem em bandos. Javier me perguntou como criar nossos modelos através de bandos de pássaros ou cardumes, que regras estas espécies utilizam para interagir e como podemos encontrar padrões simples que sejam semelhantes aos do futebol. Esta é uma das questões na qual estamos trabalhando atualmente: é possível simular uma partida de futebol utilizando métodos semelhantes àqueles aplicados aos movimentos dos animais?

O segundo tema é a importância da ciência dos dados e da visualização. Não é suficiente trabalhar com estatísticas, mesmo as mais avançadas, como objetivos pretendidos. Precisamos dispor de ferramentas que mostrem como um time joga junto, que identifique automaticamente diferentes situações de jogo e que proponha soluções para os jogadores. É aí que entra a aprendizagem das máquinas modernas. A análise automatizada da partida, aliada à percepção humana, ajudará os técnicos a melhorar suas próprias equipes e se preparar para os adversários.

O terceiro é o mais importante: colocar a teoria em prática. A possibilidade mais animadora, para mim, é mostrar aos jogadores como seus movimentos são capazes de quebrar linhas defensivas. Analisar decisões feitas durante a partida: Eu deveria ter passado ou chutado em gol? Eu deveria ter desviado ou corrido em linha reta? Estas são questões que qualquer jogador é capaz de responder sozinho utilizando ferramentas baseadas em dados.

Nesta série de artigos, eu vou analisar como estes três temas interagem para transformar o jogo moderno. Eu me aprofundarei nas pesquisas realizadas no Barcelona, no Innovation Hub e em diversos lugares. Também vou conversar com especialistas que estão combinando geometria, ciência de dados e conhecimento do futebol para gerar uma nova forma de análise futebolística.

É aqui que a revolução nos dados do futebol começará a tomar forma.

 

 

David Sumpter

 

Literatura complementar:

 

Fernandez, Javier, F. Barcelona, e Luke Bornn. “Wide Open Spaces: A statistical technique for measuring space creation in professional soccer.” Em Proceedings of the 12th Annual MIT Sloan Sports Analytics Conference. 2018.

 

Sumpter, David. Soccermatics: mathematical adventures in the beautiful game. Bloomsbury Publishing, 2016.

 

Bornn, Luke, Dan Cervone, e Javier Fernandez. “Soccer analytics: Unravelling the complexity of “the beautiful game”.” Significance 15, no. 3 (2018): 26-29.

 

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