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Seria possível afirmar, sem receio de errar que, quem não experimentou estas tecnologias, conhece alguém que o fez. Você coloca uns “óculos” e se sente transportado para outro lugar. O seu corpo se transforma em outro ou desaparece, e você pode se sentir como se vivesse em um mundo gerado por computadores. Você aponta seu smartphone para um lugar determinado e um personagem aparece na tela interagindo com o ambiente. A realidade virtual, a realidade aumentada e a realidade mista estão se estabelecendo em uma sociedade cada vez mais acostumada ao uso de novas tecnologias para jogar, consumir ou informar-se. Há lugar para essas soluções no âmbito esportivo?

Vejamos seus princípios fundamentais. A realidade virtual (VR) é um ambiente gerado por computador e que, com o uso de óculos ou capacete e um conjunto de câmeras e sensores – luvas, joysticks, roupas – nos faz sentir transportados ao seu interior. São três as ilusões que mexem com a nossa percepção nesses ambientes: a ilusão de estar presente nesse novo espaço, conhecida como ilusão de lugar ou place illusion; a ilusão de sentir que o que acontece é real, a ilusão de plausibilidade ou plausability illusion, e, finalmente, não em todos os casos, mas sim quando ganhamos um corpo virtual, a sensação de que esse corpo é o nosso graças ao efeito conhecido como embodiment. Por uma combinação dessas três ilusões, podemos sentir vertigem real ao chegar perto da borda de um arranha-céus virtual, sobressaltar-nos com o aparecimento de um personagem assustador atrás de uma porta, ou colocar-nos no lugar de pessoas de outro sexo, etnia ou condição pelo simples fato de ‘trocar’ nosso corpo por um corpo virtual desse tipo.

Diferentemente, a realidade aumentada (AR) nos permite acrescentar informações geradas por computador em um ambiente real, e o resultado é um híbrido que mistura gráficos virtuais com a nossa realidade. O Pokémon Go seria um exemplo desse tipo de solução. Por último, a realidade mista (MR) é bastante parecida à AR, mas tem uma diferença fundamental: os objetos e cenários criados virtualmente podem interagir com os reais na tela do celular ou nos óculos desenhados para esse fim. O Magic Leap nasceu para se tornar uma referência desse mercado.

O mundo do esporte é consciente da importância dessas tecnologias e, embora timidamente, há anos vem dando passos no uso desse tipo de soluções. A possibilidade que a realidade virtual dá de “sentir-se em outro lugar” está permitindo que jogadores da NFL pratiquem as jogadas sem necessidade de estar no campo e as repitam quantas vezes for necessário, além de treinar outras áreas como a gestão da pressão ou do estresse durante a partida. Um sistema parecido é usado na Premier League para treinar o tempo de reação ou o passe sob pressão em jogos virtuais ao redor da bola (bobinhos) ou partidinhas simuladas. Nas realidades aumentada e mista, buscam-se soluções que permitam que o esportista visualize a trajetória correta da bola. E ninguém perde de vista o possível uso destas tecnologias na reabilitação de esportistas.

Silvia Ortega, coordenadora de projetos de educação e pesquisa dentro do campo da fisioterapia, acredita que o uso da realidade virtual pode trazer benefícios interessantes para a área de reabilitação do rendimento esportivo perdido por uma lesão, mas que ainda faz falta quantificar esse possível ganho. “Não podemos confirmar isso porque não há evidências em pesquisas realizadas com esportistas, sejam de elite ou não”. A fisioterapeuta do FC Barcelona acha que as limitações técnicas atuais podem ser um freio à realização de estudos nessa área. “A instrumentação para quantificar a mudança nos jogadores em nível do sistema nervoso central é agressiva e ainda há pouca metodologia científica ao respeito”. Por sua vez, as realidades aumentada e mista têm um impacto importante na área da aplicabilidade na opinião de Silvia: “vejo-as como tecnologias mais direcionadas ao aspecto cognitivo da reabilitação. Áreas como a tomada de decisões, a criação de um contexto estressante ou um estímulo móvel têm lugar neste tipo de soluções”.

Será que o uso dessas tecnologias também teria lugar na metodologia do FC Barcelona? Na preparação dos jogadores, o clube se baseia no que se conhece como microciclo estruturado. Ideado por Paco Seirullo, esse enfoque implicou uma autêntica mudança de paradigma, pois se afasta do treino de habilidades individuais de forma isolada para focar na observação integral do indivíduo. Assim, a equipe técnica pode trabalhar qualquer aspecto que influa na competição, colocando o qualitativo na frente do quantitativo e sem negar a incerteza natural do próprio esporte.

Isaac Guerrero, diretor técnico da escola de futebol e membro da área de metodologia e conhecimento, explica as chaves de uma forma de trabalhar que marcou um antes e um depois na história desse esporte. “a nossa ideia de jogo está ligada aos valores que o clube representa: solidariedade, cooperação… e sempre organizando o jogo ao redor da bola, o que já é uma mudança importante em relação ao paradigma clássico”. O jogador tem uma interação maior com os colegas, evitando a segmentação clássica de ataque e defesa e fazendo com que todos os componentes da equipe cooperem e tenham uma função em cada momento. “Nasce, assim, um dinamismo em termos de localização no qual não há posições rígidas”. Essa complexidade exigiria uma grande inteligência do sistema que pretenda simular todas essas necessidades. “O objetivo é criar contextos que convidem o jogador a se organizar e se auto-organizar ao redor da bola como centro de energia coletiva. Essa vivência tática é mais comunicativa do que tática, não pode ser modulada nem pré-desenhada, e inclui um fator afetivo importante”. Temos atualmente soluções técnicas que cheguem a esse nível de elaboração? Segundo Isaac, “esses sistemas que se baseiam no controle de um implemento (comando) por meio de extremidades dominantes como braços / mãos não parecem significativos. Tenho que poder interagir com todo meu corpo, executando a implementação coordenativa através de minhas extremidades não dominantes, pernas / pés, enquanto me desloco, algo que implica uma distribuição da minha percepção (e sensação) entre a ação técnica em relação à bola e à associação, e a ação motora em relação ao deslocamento pelo espaço”.

Este aluno notável de Paco Seirullo afirma que a solução tecnológica ideal para o Barça ainda está por vir. “Entre outras necessidades, o sistema deveria adaptar-se a cada jogador e levar em conta tanto suas capacidades quanto as de seus colegas”. A opção de que surja uma assertividade eficiente ao longo do treinamento virtual seria outra das grandes conquistas. “Se você estiver à minha esquerda e eu sei que você costuma chutar a bola para um lado concreto, acabarei assimilando isso, ao torná-lo implícito através de contextos de prática específica”. Mas, sem dúvida, Guerrero destaca, acima de outras necessidades, a possibilidade de identificar todos os aspectos subjetivos que costumam ser esquecidos em soluções tipicamente centradas em parâmetros como o número de passes ou controles. O futuro está no qualitativo: “Um sistema que reconhecesse comportamentos preferenciais seria muito interessante, bem como o que denominamos ‘grupos de alta ressonância empática’, vinculando as relações assertivas que se estabelecem entre jogadores que, preferentemente, compartilham espaços de atuação”.

E do ponto de vista da equipe técnica, que informações interessa monitorar? “Seria incrível conhecer os impactos emocionais em cada comportamento do jogador. O diretor técnico sabe que: “reconhecer interesses, necessidades, sensações e emoções dos colegas é o futuro desses sistemas”.

Muitas necessidades que hoje em dia continuam sem uma solução real e que levam a refletir sobre a idoneidade de usar essas tecnologias no âmbito esportivo. Segundo Raúl Peláez, responsável por tecnologia, análise e inovação da BiHub, a realidade virtual é muito chamativa, mas nunca poderá chegar a competir com a realidade. “Se temos duas horas de campo, preferimos toda a experiência complexa que o treino gera, já que há muitas coisas que se perdem em qualquer sistema informático por mais sofisticado que seja”. O uso dessas tecnologias vem, portanto, complementar, e não substituir os métodos que vinham sendo empregados até agora. “Acredito que o uso da realidade virtual poderia ser interessante em casos mais concretos”, disse Raúl. “Quando um garoto está no processo de chegar à primeira equipe, seria ótimo que pudesse vivenciar uma partida real com os jogadores. Com os dados posicionais que temos atualmente, poderíamos reproduzir a partida com detalhes. E ele não precisaria tomar nenhuma decisão”. Uma simulação que, segundo Raúl, poderia funcionar desde que os personagens e o cenário fossem o mais realistas possíveis para evitar a sensação de estar em um videogame.

Outro uso possível seria na reposição da bola no jogo pelo goleiro. “É difícil trabalhar em que direção nosso goleiro fará o primeiro passe porque são necessárias outras 21 pessoas colocadas durante o treino. Para situações assim, nas quais não há tanta gente à disposição, faz sentido. E o que acontece com a AR e a MR? “É aí onde vejo um crescimento maior. O vídeo no futebol é uma ferramenta fundamental para qualquer treinador. Seria incrível oferecer uma experiência que permitisse ver as coisas de todos os ângulos”. No entanto, para o responsável por tecnologia, é preciso saber com clareza onde usar esses aparelhos e onde deixá-los de fora. Como Zubizarreta me explicou, a tecnologia deveria estar da linha de campo para fora. No campo, só os jogadores e uma bola”, explica. “É preciso saber respeitar o mundo da vida e o esporte para que continue como é, e procurar fora essas novas experiências que o enriqueçam”. Veremos, então, em um futuro próximo, jogadores treinando com óculos ou capacetes que lhes permitam vivenciar outras realidades? “Nenhuma solução deve incluir o uso de algo estranho nos olhos”. Nenhuma? ‘Bem, talvez no futuro sejam desenhadas umas lentes especiais…”.

 

Falta muito para desenvolver soluções em realidade virtual, aumentada ou mista, que satisfaçam as expectativas dos usuários nesse âmbito. A colaboração imprescindível de todos os atores envolvidos no seu desenvolvimento – engenheiros, programadores, mas também fisioterapeutas, pessoal técnico e jogadores – é o ingrediente principal para a fórmula de sucesso de um tipo de sistemas que, talvez, possa acabar causando uma verdadeira revolução no mundo do esporte.

 

 

A equipe Barça Innovation Hub

 

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